O amor é um tema invariavelmente abordado nas diversas tentativas dos grupos humanos de entender a realidade a sua volta e na construção de sistemas de crenças (teogonias e cosmogonias) resultantes desse processo. Da mesma forma, o amor é peça chave na construção dos modos de vida coerentes com estas diferentes visões de mundo.
Seja nas inúmeras doutrinas filosóficas, religiosas, místicas ou iniciáticas, parece haver um consenso sobre a importância (se não centralidade) do amor para os diferentes caminhos propostos por estas diferentes doutrinas para a elevação espiritual, para a saída da vida comum em direção a algo maior.
Por que o amor tem um papel tão importante para a superação do estado de dormência da alma, de inércia inconsciente, através do despertar da consciência? Por que tanto se fala, se discute, se racionaliza e se teoriza sobre este sentimento?
Entender plenamente o amor e ser capaz de vivenciá-lo, incondicionalmente, é um grande desafio para a humanidade; talvez o maior desafio que enfrentamos, enquanto espíritos encarnados que vivenciam a manifestação divina, afim de despertarmos nosso próprio Deus interior.
Por que o amor é tão desafiador? Qual o grande mistério envolto numa palavra tão pequena? Por que tanta complicação em uma ideia aparentemente tão simplória?
A primeira constatação que precisamos fazer sobre o amor é que ele é, por sua natureza, aparentemente antagônico. É extremamente simples, ao mesmo tempo em que é extremamente complexo: simples, porque quando há amor, tudo é possível, não existe problema que faça frente a ele; complexo, porque ele exige maturidade, desprendimento, entendimento profundo e fé. O amor é, de fato, um dos fenômenos mais profundos sobre a terra.
A depender do ponto de vista, o amor pode ser, ao mesmo tempo, causa e feito das experiências humanas: é necessário algo anterior para que o amor possa se manifestar plenamente, resultando em harmonia, mas ele também é nossa primeira animação, uma vez que é através dele que viemos ao mundo.
Por sua natureza antagônica, irracional e impulsiva, o amor parece ser especialmente difícil de compreender a partir de uma mente racionalista, restritiva e calculista, que pretende ter controle sobre nossas vontades, sentimentos, pensamentos e ações, submetendo-os à análise criteriosa da objetividade.
Acredito que seja importante fazer aqui um recorte, localizando geográfica e culturalmente esta reflexão, para entendermos que falar de amor em nosso contexto cultural é, invariavelmente, falar de um ponto de vista analítico ocidental, marcado pelo olhar científico, capaz de traduzir em padrões aceitáveis para a razão toda experiencia humana, inclusive as consideradas místicas e transcendentais. Desta forma, é sob este prisma que esta reflexão se desenvolve. Se tomássemos como ponto de partida uma concepção mais intuitiva e contemplativa, talvez este desenrolar reflexivo se desse de outra forma.
Como nos ensina OSHO, em sua obra Tantra: Espiritualidade e Sexo, “em realidade, o amor é o ato mais absurdo — sem significado ou propósito além dele próprio. Ele existe em si mesmo, e não para qualquer outra coisa... O amor é o fim em si mesmo”.
Se há alguma coisa que escapa verdadeiramente à razão, esta coisa é o amor. Por isso, para compreendê-lo, nosso lado racional precisa ser sujeitado pelo nosso emocional, mas não anulado, pois é o equilíbrio entre racional e emocional que nos abrirá as portas do entendimento.
Primeiro é necessário sentir verdadeiramente, para depois conseguirmos racionalizar objetivamente. Só depois de vivenciados estes dois processos é possível aproximá-los, cada vez mais, para que com o tempo se tornem um só. Pensar com o coração e sentir com a mente, ser capaz de fazer a síntese entre emocional e racional. Ou talvez, simplesmente perceber que essa separação não seja tão real quanto imaginamos.
O amor pode ser, dessa forma, a ponte que liga uma coisa à outra, que reconecta os opostos, que possibilita a tradução de todas as linguagens. Sendo assim, é através do amor que nos elevamos a um novo nível de consciência, no qual nossos opostos internos começam a se reconciliar e, por consequência, a manifestar coisas novas em nossa realidade. A energia do amor é a energia de síntese e criação.
Se entendemos Deus como grande força geradora de tudo, do manifesto e do imanifesto, do que foi, é e será, podemos entender que o amor é a força que permite que toda a criação divina aconteça, pois é a própria força motriz do criação divina, a própria essência do movimento do sistema divino. Nada pode ser criado no universo que não seja pelo amor. Como consequência disso, entendemos que o amor é a chave para o entendimento de todos os fenômenos que se manifestam no mundo.
Se o amor é, então, a ferramenta usada por Deus para animar sua criação, seria possível para a humanidade entender a Deus sem antes entender o amor? É possível que nos aproximemos de Deus, sem nos aproximarmos de sua força animadora? Existe um modelo de espiritualidade possível que não seja amorosa em sua essência? Se entendemos o amor como a fonte da inspiração anímica da criação divina, ou seja, como o filtro por onde a emanação divina ganha sentido para existir, como poderia uma vida sem amor permitir uma espiritualidade sadia?
Na continuação desta reflexão, tentarei apresentar algumas possíveis respostas para estes questionamentos.
Até lá.
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