segunda-feira, 27 de abril de 2020

Reflexões do contemporâneo: a Fábula dos Porcos Assados

O cenário atual se apresenta como um momento crucial para repensarmos o modo como encaramos a realidade que nos cerca.

É possíveis construirmos novas formas de enxergar o mundo, novos modelos educacionais, novas formas de relacionamentos humanos? Ou será que o mundo sempre foi, é e será imutável?

Para provocar está reflexão, recomendo a leitura da fábula dos porcos assados. Pretendo retomar está discussão em breve, de forma mais pessoal. Mas por enquanto, deixo aqui a fábula completa para leitura.
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Certa vez ocorreu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Os homens, que até então só comiam a carne crua, experimentaram a carne assada e acharam que era deliciosa. A partir daí, toda vez que queriam comer porco assado, incendiavam um bosque. O tempo passou, e o sistema de assar porcos continuou basicamente o mesmo.


Mas as coisas nem sempre funcionavam bem: às vezes os animais ficavam queimados demais ou parcialmente crus. As causas do fracasso do sistema, segundo os especialistas, podiam ser atribuídas ou à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deviam, ou à inconstante natureza do fogo, difícil de controlar, ou às árvores excessivamente verdes, ou à umidade da terra, ou ao serviço de informações meteorológicas que não acertava o lugar, o momento e a quantidade de chuva, ou... 

Como era um procedimento montado em grande escala, isso preocupava muito a todos, porque, se o sistema falhava, as perdas ocasionadas eram igualmente grandes. Milhões de pessoas alimentavam-se só de carne assada e também muitos eram os que tinham ocupação nessa tarefa. Portanto, o sistema simplesmente não podia falhar. Mas, curiosamente, à medida que se fazia em maiores escalas, mais parecia falhar e maiores perdas parecia causar. 
Já era um clamor geral a necessidade de se reformar profundamente o sistema. Para isso, todos os anos, realizavam-se congressos, seminários e conferências para achar a solução. Mas parece que não acertavam o melhoramento do mecanismo, porque no ano seguinte repetiam-se os congressos, os seminários e as conferências. E assim sempre. 
As causas eram difíceis de determinar – na verdade, o sistema para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: havia maquinário diversificado e profissionais de diversos ramos de conhecimento. Havia indivíduos dedicados a acender – os incendiadores. Havia incendiadores da Zona Norte, da Zona Oeste, etc, incendiadores noturnos, diurnos, especialistas para cada estação.  Havia especialistas em ventos – os anemotécnicos. Havia um diretor-geral de Assamento, um diretor de Técnicas Ígneas, um Administrador Geral de Florestas Incendiáveis, e uma Comissão Nacional de Treinamento em Porcologia.
Eram milhares de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas estudando a importação de melhores árvores, além de pesquisar idéias operativas, por exemplo, como fazer buracos para que neles caíssem os porcos. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento oportuno. Poucos especialistas estavam de acordo entre si e cada um tinha investigações e dados para provar suas afirmações. 
Um dia, um incendiador chamado João Bom-Senso resolveu dizer que o problema era fácil de ser resolvido – bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o então sobre uma armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor – e não as chamas – assasse a carne.
Tendo sido informado sobre as idéias do funcionário, o diretor-geral de Assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete e disse-lhe: 
“Tudo o que o senhor propõe está correto, mas não funciona na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria? E com os acendedores de diversas especialidades? E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver tudo?”
“Não sei”, disse João, encabulado.
“O senhor percebe agora que a sua idéia não vem ao encontro daquilo de que necessitamos? O senhor não vê que, se tudo fosse tão simples, nossos especialistas já teriam encontrado a solução há muito tempo? Que autores falam isso? Que autoridade há para avaliar sua sugestão? ”
João continuava ouvindo, em silêncio.
“O senhor, com certeza, compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas, sem chamas? O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros de bosques já preparados? 
“Não sei, senhor.”
“Bem, o simples fato de possuir valiosos e extraordinários engenheiros em Porcopirotecnia indica que o sistema é bom. E o que fazer com nossos engenheiros em Porcopirotecnia? ”
“Não sei”.
“Viu? O senhor tem é que trazer solução para certos problemas: como treinar melhores anemotécnicos, como conseguir acendedores do Oeste mais rápidos, como fazer estábulos de oito maiores. Tem que melhorar o que temos e não mudá-lo. É disso que o país necessita. Ao senhor falta sensatez!
“Realmente, estou perplexo!”, falou João. 
“Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por aí que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério do que o senhor imagina. Agora, entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua idéia – isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo.”
João Bom-Senso, coitado, não falou mais um “a”. Sem despedir-se, meio atordoado, meio assustado com a sua sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu. Por isso é que até hoje se diz, quando há uma tentativa de melhorar um sistema, faz falta o Bom-Senso.

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