sábado, 18 de janeiro de 2020

O caminho do autoconhecimento

Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais;
Caminhante, não há caminho, se faz o caminho ao andar*.

Ao iniciarmos nosso processo de autoconhecimento é muito tentador buscar algum tipo de Guru que nos apresente o melhor caminho a seguir, aquele que apresenta menos obstáculos e que pode ser trilhado no menor tempo possível. Afinal, no ritmo frenético da sociedade atual, quem tem tempo pra dedicar a se autoconhecer, não é verdade? Um método de autoconhecimento instantâneo parece ser a pedida ideal. Se puder ser “delivery”, melhor ainda. Nada que demande muito tempo nem esforço.

Infelizmente (ou talvez não) na prática isso não é possível. Qualquer método apresentado como fácil e rápido dever ser visto com reticência, especialmente se prometer resultados milagrosos. Isso também não quer dizer que o processo de autoconhecimento precise ser demasiadamente doloroso, lento e cheio de dificuldades para funcionar. Mudar o pêndulo para a outra extremidade também não é a solução.

Qual é, então, o melhor caminho para o autoconhecimento? Resumindo em poucas palavras, ele simplesmente não existe. Pelo menos não a nível universal, pois isso implicaria ignorar que todas as individualidades e idiossincrasias dos diferentes grupos e sujeitos. É impossível estabelecer uma fórmula universal que abarque todas a diversidade humana com igual eficiência.

Para se estabelecer o melhor caminho, duas coisas são essenciais: saber onde se está (qual é o ponto de partida?) e onde se deseja chegar (qual é o ponto de destino?). Só assim, a partir da análise do território no qual estes dois pontos se encontram, é possível estabelecer, primeiramente, os vários possíveis caminhos (porque há mais de um – e todos os caminhos levam à Roma!) e qual deles é o melhor, pelo menos para aquele momento. Para aprofundar nesse entendimento, vale lembrar os conceitos budistas de Kharma e Dharma (Link para um vídeo do canal “Textos para Reflexão, de Rafael Arrais sobre o tema: https://www.youtube.com/watch?v=PH5z-X6L34Y).

O caminho do autoconhecimento é invariavelmente pessoal, pois precisa respeitar a história, gostos, saberes e valores do indivíduo. Para alguns o caminho será mais solitário, para outros mais coletivo; poderá ser mais prático ou mais reflexivo, dentre inúmeras outras possibilidades. Por isso, antes de iniciar o trajeto é bom analisar os possíveis primeiros passos, sem se esquecer que o trajeto pode ser mudado a qualquer momento.

Possíveis caminhos

Algumas vias de autoconhecimento nos são apresentadas pelas ciências humanas, um corpus de conhecimentos construídos através da coleta, análise e interpretação de fatos, coletivos e individuais, ao longo da história da humanidade e vistos pelo olhar da academia e dos métodos racionalistas do paradigma científico. Podemos citar a Filosofia e a Psicologia como as duas áreas de conhecimentos das ciências humanas como aquelas que dialogam mais diretamente com a busca do autoconhecimento, embora de certa forma todas podem dar sua contribuição no processo.

A Filosofia sempre se preocupou com a natureza humana, seus defeitos e virtudes, além de abordar modos de vida adequados às concepções filosóficas sobre a felicidade. Um dos exemplos mais emblemáticos foi Epicuro e seus ensinamento sobre o bem viver. Ao se compreender o que está sendo proposto por cada sistema filosófico é possível reinterpretar nossa própria perspectiva de vida, nos permitindo vivenciar outras formas de encarar o mundo.

A Psicologia, ao estudar o comportamento e os processos mentais dos indivíduos, possui algumas abordagens mais focadas na parte clínica (avaliação e tratamento das psicopatologias), outras mais focadas na parte terapêutica (compreensão e resolução de problemas em diferentes camadas do comportamento humano, incluindo questões de cunho mais existencial) e ainda abordagens que mesclam as duas perspectivas. Para fins de autoconhecimento é importante conhecer um pouco sobre as diferentes abordagens e verificar qual mais se adéqua às necessidades de cada indivíduo.

Outra possibilidade são as vias de autoconhecimento que trafegam pelo entendimento metafísico da existência humana, se apresentando como caminhos que envolvem uma visão mais transcendental e mística da existência humana, em geral menos focadas nos entendimentos unicamente racionalistas.

Um dos caminhos mais adotados nesta perspectiva é a Religião. Para grande parte da população esta é a porta de entrada para qualquer experiência metafísica. De fato, a via religiosa se adéqua aos anseios de muitos pessoas, que buscam no entendimento e interiorização das doutrinas uma forma de satisfazer suas necessidades de transcendência. Por outro lado, o caráter massificado dos ensinamentos e a imposição de dogmas se apresentam como fatores limitadores para muitas outras.

Outro caminho possível é o estudo e prática do Ocultismo, que nada tem de relação com as práticas malignas do imaginário popular. Aqui, quando dizemos oculto estamos falando daquilo que não é visível a “olho nu”, um conjunto de conhecimentos que não está disponível para toda a população, pelo menos a princípio. Nesse caminho é comum que se trilhe com outras pessoas, principalmente pessoas mais experientes que possam auxiliar na caminhada.

É nesse contexto em que se inserem as Ordens Iniciáticas. Entendemos por iniciação o processo de entrada num sistema de compreensão do mundo diferente da vida ordinária, para o qual é necessário um processo de morte e renascimento simbólicos. Dentro das ordens há uma jornada previamente estabelecida na qual os membros passarão por estudos, vivencias e rituais que lhe apresentarão, aos poucos, uma nova forma de ver a si mesmos e o mundo ao seu redor.

A escolha do caminho

Com tantos caminhos disponíveis, por onde começar?

Primeiramente é bom lembrar que, como exposto acima, não existe caminho ideal. Qualquer que seja a via escolhida, seja alguma das expressas aqui, sejam outras (e há muitas outras), todas apresentarão desafios e muitas vezes farão o indivíduo ter vontade de desistir. A persistência é peça chave para o autoconhecimento.

O mais importante é ter em mente que todo caminho necessita de um ponto de partida e de um chegada, mas a jornada entre eles pode ser modificada quantas vezes se fizer necessário. Mas, independente do caminho escolhido, é importante que haja entrega, que se viva aquela experiencia em sua plenitude.

*Este pequeno trecho do poema Cantares, do poeta espanhol Antonio Machado, ilustra com delicadeza e precisão o ponto central desta reflexão. Segue versão completa do poema, com tradução de Maria Teresa Almeida Pina.

Cantares (Antonio Machado)

Tudo passa e tudo fica
porém o nosso é passar,
passar fazendo caminhos
caminhos sobre o mar
Nunca persegui a glória
nem deixar na memória
dos homens minha canção
eu amo os mundos sutis
leves e gentis,
como bolhas de sabão
Gosto de ver-los pintar-se
de sol e grená, voar
abaixo o céu azul, tremer
subitamente e quebrar-se…
Nunca persegui a glória
Caminhante, são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar
Ao andar se faz caminho
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se há de voltar a pisar
Caminhante não há caminho
senão há marcas no mar…
Faz algum tempo neste lugar
onde hoje os bosques se vestem de espinhos
se ouviu a voz de um poeta gritar
“Caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar”…
Golpe a golpe, verso a verso…
Morreu o poeta longe do lar
cobre-lhe o pó de um país vizinho.
Ao afastar-se lhe viram chorar
“Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar…”
Golpe a golpe, verso a verso…
Quando o pintassilgo não pode cantar.
Quando o poeta é um peregrino.
Quando de nada nos serve rezar.
“Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar…”
Golpe a golpe, verso a verso.

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