segunda-feira, 16 de março de 2020

Espiritualidade e meio ambiente (Parte II)


Este texto é a continuação da reflexão que pode ser acessada clicando aqui Espiritualidade e Meio Ambiente (Parte I)

A cabeça pensa onde os pés pisam. Essa frase do Frei Beto sempre foi marcante para mim, e serve de base para esta reflexão. Se a relação da sociedade com o meio ambiente é a base de criação de todos os sistemas de crença, valores e códigos morais, o que podemos entender sobre sociedade e modo de vida atuais?

Na contemporaneidade, as questões ambientais têm foco privilegiado nas discussões governamentais, das empresas e do terceiro setor. No entanto, é comum que tragédias ambientais evitáveis continuem ocorrendo pelo mundo. O que isso revela sobre a relação de nossa sociedade com o meio ambiente?





Neste momento mais da metade da população mundial vive em ambientes urbanos. Esse movimento de urbanização da população tende a aumentar nos próximos anos. Como isso impacta as expressões espirituais?

Como já dito anteriormente, as cidades estão inseridas no meio ambiente, embora muitas vezes não sejam entendidas dessa forma. Devido ao alto grau de modificações antrópicas, necessárias para a produção do modo de vida atual, o ambiente urbano muitas vezes pode parecer um cenário inadequado para se pensar a relação sociedade-natureza-espiritualidade.

A concepção da supremacia humana sobre a natureza, resultado do processo histórico da sociedade contemporânea, possibilitou o surgimento de correntes de pensamento que se opõe a qualquer forma de defesa da melhoria das relações homem-natureza, vendo na preservação ambiental um empecilho ao desenvolvimento da sociedade. De fato, podemos perceber nos últimos tempos o surgimento de novas formas de espiritualidade que muitas vezes não se vêem como reflexo das relações homem-natureza.

Esta idéia, no entanto, não foi capaz de extinguir o anseio de muitos indivíduos e grupos que preservaram em suas expressões espirituais o entendimento de que a visão holística e integrativa é a chave do equilíbrio das sociedades humanas com a natureza. Constantemente vemos surgirem e ressurgirem movimentos espiritualistas que pretendem uma relação mais harmoniosa com a natureza. Muitas dessas expressões espiritualistas advogam por um retorno à formas religiosas e  místicas próprias da antiguidade.

É extremamente relevante que nos aprofundemos no entendimento da relação sociedade-natureza-espiritualidade, porém é necessário que este processo se dê de forma viável. Não é mais possível retornar a um estado no qual não havia o desenvolvimento científico tecnológico que temos hoje, nem retomar a visão da natureza dos povos primitivos. Da mesma forma, não é possível que continuamos a perpetuar o entendimento contemporâneo sobre estas questões. Precisamos ressignificar a relação da natureza com o sagrado, mas não podemos nos esquecer do processo que nos trouxe até aqui. Só assim podemos pensar em possíveis futuros.

Neste momento estamos presenciando uma grande crise civilizatória. O modo de vida moderno não mais é capaz de atender a todos os anseios da humanidade. Muito se especula sobre os rumos que a humanidade tomará daqui para frente, e muitas iniciativas tem se somado no sentido de pensar e planejar quais os próximos passos para que o desenvolvimento das sociedades humanas se dê de forma mais harmoniosa, inclusive com o meio ambiente.

A Carta da Terra, uma declaração internacional de valores e princípios éticos fundamentais para a construção de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica, nos apresenta pontos chaves para entendermos os desafios postos nesse momento ímpar de nossa história.

Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. ... Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz.”

E o que todo este debate tem a ver com a espiritualidade? A dimensão transcendental da vida humana é alicerce para qualquer discussão que passe por pensar em projetos de futuro que permeiem todos os grupos e sociedades da terra.

A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. … A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado”.

Mas em que a espiritualidade pode colaborar com esse debate? Ou ainda, é papel das instituições ligadas à espiritualidade se debruçar sobre a relação da humanidade com o meio ambiente?

A espiritualidade, em suas diversas formas, representa um direcionador da moral dos povos. A ideia de que fazemos parte de algo maior do que o que está aqui e agora tem um grande poder de influenciar a forma como as pessoas enxergam o futuro.

É nesse sentido que se faz necessária a intensificação dos debates sobre as questões ambientais pelas quais o mundo está passando. Se o meio ambiente é a fonte primária de inspiração para a espiritualidade humana, nada mais justa que esta história seja honrada com a reintegração com os ciclos naturais que permitiram a humanidade ampliar sua visão sobre si mesma.

Para finalizar, mais um trecho da Carta da Terra, que trata dos possíveis caminhos para o futuro a necessidade e de mudança civilizatória a nível global, na qual acredito que a espiritualidade pode ser a chave da mudança.

A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais dos nossos valores, instituições e modos de vida”.

quarta-feira, 11 de março de 2020

O amor como instrumento de elevação espiritual (Parte III)

Este texto é a terceira e última parte desta reflexão. A primeira e segunda partes podem ser acessadas aqui: O amor como instrumento de elevação espiritual (Parte I) e aqui O amor como instrumento de elevação espiritual (Parte II), respectivamente.




A elevação espiritual (e nenhuma outra benesse divina) deve ser encarada como recompensa ou barganha; o amor é a própria recompensa. Através do exercício do amor nos aproximamos de nossa essência e disso decorre, como consequência natural, nossa elevação a patamares mais altos de consciência. Não tomemos a parte pelo todo, nem os fins pelos meios.

O amor é, assim, o supremo objetivo da natureza divina e humana, visto que estas não são tão diferentes. Quando conseguimos atingir o patamar de amar pelo prazer de amar, conseguimos compreender que o amor é sua própria recompensa. E, quanto mais amor, mais combustível há para que a fagulha divina em nosso interior cresça cada vez mais, iluminando e aquecendo aspectos que se encontravam nas nossas sombras frias do desconhecido.

Dessa forma, o amor é também a base para nosso autoconhecimento. Ao iluminar nossas sombras, podemos, finalmente, nos observar em completude e entendermos qual é, afinal, nossa missão pessoal dada por Deus para que o sistema possa funcionar da melhor forma possível. Esse é o caminho para que o sistema funcione e a evolução espiritual da humanidade progrida, pois não há evolução sem autoconhecimento.

Não é possível que consigamos realizar nossa essência se não amarmos quem somos. Mas não podemos nos amar se não nos conhecemos. O autoconhecimento é a base de todas as doutrinas religiosas, místicas, filosóficas e iniciáticas que propõem a elevação espiritual.

Só conhecendo em profundidade quem somos em nossa essência, que se esconde sob todos os véus do ego, é que podemos nos considerar no caminho para a elevação espiritual. E esse caminho não é fácil, nem prazeroso, pois para conhecer o paraíso é necessário cruzar por todos os nossos infernos interiores, confrontando em cada um deles nossas próprias falhas e misérias.

O autoconhecimento é uma chave poderosa nesse caminho, mas não é suficiente. De que adianta eu me conhecer, saber minhas virtudes e vícios, minhas fraquezas e minhas fortalezas, se isto não puder, de fato, me levar para a elevação? De que adianta usar o conhecimento sobre mim mesmo para criar padrões cristalizados que me aprisionam na ilusão do ego?

Autoconhecimento só serve para a elevação espiritual, portanto para a realização da vontade divina, se for base para o auto aprimoramento. E este só é possível através do desenvolvimento de um intenso processo de aceitação e de amar a si mesmo, pois só aprimoramos o que nos interessa e nos cativa.

Se cada ser criado por Deus tem um caminho a ser trilhado para finalmente poder expressar sua missão divina, conhecer a si mesmo é importante para isso, mas amar a si mesmo é essencial. Amar incondicionalmente a si, por sua história, por suas falhas e limitações momentâneas. O amor é a coisa mais próxima na qual nos permitimos ser nós mesmos, sem julgamento, sem culpa, de 
forma a expressarmos plenamente nossa essência.

Entendendo a natureza da experiência humana na criação, sem os pesos dados por muitas doutrinas religiosa, pode facilitar o processo de auto aceitação e de amor próprio, pois tira de nossos ombros o peso da perfeição inalcançável que oprime nossas consciências.

Assim, não existe pecado nem punição divina para os desvios do caminho que eventualmente possamos cometer, pois tudo é experiencia adquirida. Se conseguirmos transformar a experiencia (qualquer que seja) em aprendizado, cumprimos a missão de Deus para nós. Ao tornar o que aprendemos como parte de nós, fazemos a ponte entre a teoria e prática, entre emocional e racional, e um novo nível de consciência se tornou vivo em nós.

Se na caminhada de elevação espiritual é preciso ter a chave íntima para o entendimento do sagrado, essa chave é o amor. Autoconhecimento, auto aprimoramento, amor próprio. Etapas necessárias para nos elevarmos espiritualmente. Dessa forma vai nascendo em cada um, o novo eu, cada vez mais livre, mais consciente, mais amoroso na arte de criar-se a si mesmo e a realidade a sua volta. Se você não puder amar, é impossível para você encontrar equilíbrio. Se você alcançar o equilíbrio, sua vida se tornará uma vida amorosa. E essa é a maior elevação que podemos desejar.