Este texto é a continuação da reflexão que
pode ser acessada clicando aqui Espiritualidade e Meio Ambiente (Parte I)
A cabeça pensa onde
os pés pisam. Essa frase do Frei Beto sempre foi marcante para mim, e serve de
base para esta reflexão. Se a relação da sociedade com o meio ambiente é a base
de criação de todos os sistemas de crença, valores e códigos morais, o que
podemos entender sobre sociedade e modo de vida atuais?
Na contemporaneidade,
as questões ambientais têm foco privilegiado nas discussões governamentais, das
empresas e do terceiro setor. No entanto, é comum que tragédias ambientais
evitáveis continuem ocorrendo pelo mundo. O que isso revela sobre a relação de
nossa sociedade com o meio ambiente?
Neste momento mais
da metade da população mundial vive em ambientes urbanos. Esse movimento de
urbanização da população tende a aumentar nos próximos anos. Como isso impacta
as expressões espirituais?
Como já dito
anteriormente, as cidades estão inseridas no meio ambiente, embora muitas vezes
não sejam entendidas dessa forma. Devido ao alto grau de modificações
antrópicas, necessárias para a produção do modo de vida atual, o ambiente
urbano muitas vezes pode parecer um cenário inadequado para se pensar a relação
sociedade-natureza-espiritualidade.
A concepção
da supremacia humana sobre a natureza, resultado do processo histórico da
sociedade contemporânea, possibilitou o surgimento de correntes de pensamento
que se opõe a qualquer forma de defesa da melhoria das relações homem-natureza,
vendo na preservação ambiental um empecilho ao desenvolvimento da sociedade. De fato, podemos
perceber nos últimos tempos o surgimento de novas
formas de espiritualidade que muitas vezes não se vêem como reflexo das
relações homem-natureza.
Esta
idéia, no entanto, não foi capaz de extinguir o anseio de muitos indivíduos e
grupos que preservaram em suas expressões espirituais o entendimento de que a
visão holística e integrativa é a chave do equilíbrio das sociedades humanas
com a natureza. Constantemente vemos surgirem e ressurgirem movimentos
espiritualistas que pretendem uma relação mais harmoniosa com a natureza.
Muitas dessas expressões espiritualistas advogam por um retorno à formas
religiosas e místicas próprias da
antiguidade.
É
extremamente relevante que nos aprofundemos no entendimento da relação
sociedade-natureza-espiritualidade, porém é necessário que este processo se dê
de forma viável. Não é mais possível retornar a um estado no qual não havia o
desenvolvimento científico tecnológico que temos hoje, nem retomar a visão da
natureza dos povos primitivos. Da mesma forma, não é possível que continuamos a
perpetuar o entendimento contemporâneo sobre estas questões. Precisamos
ressignificar a relação da natureza com o sagrado, mas não podemos nos esquecer
do processo que nos trouxe até aqui. Só assim podemos pensar em possíveis
futuros.
Neste momento estamos presenciando uma grande crise civilizatória.
O modo de vida moderno não mais é capaz de atender a todos os anseios da
humanidade. Muito se especula sobre os rumos que a humanidade tomará daqui para
frente, e muitas iniciativas tem se somado no sentido de pensar e planejar
quais os próximos passos para que o desenvolvimento das sociedades humanas se
dê de forma mais harmoniosa, inclusive com o meio ambiente.
A Carta da Terra, uma declaração internacional de valores e
princípios éticos fundamentais para a construção de uma sociedade global justa,
sustentável e pacífica, nos apresenta pontos chaves para entendermos os
desafios postos nesse momento ímpar de nossa história.
“Estamos diante de um
momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve
escolher o seu futuro. ... Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio
da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família
humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças
para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza,
nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz.”
E o que todo este debate tem a ver com a espiritualidade? A
dimensão transcendental da vida humana é alicerce para qualquer discussão que
passe por pensar em projetos de futuro que permeiem todos os grupos e
sociedades da terra.
“A humanidade é parte de um
vasto universo em evolução. … A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da
Terra é um dever sagrado”.
Mas em que a espiritualidade pode colaborar com esse debate? Ou
ainda, é papel das instituições ligadas à espiritualidade se debruçar sobre a
relação da humanidade com o meio ambiente?
A espiritualidade, em suas diversas formas, representa um
direcionador da moral dos povos. A ideia de que fazemos parte de algo maior do
que o que está aqui e agora tem um grande poder de influenciar a forma como as
pessoas enxergam o futuro.
É nesse sentido que se faz necessária a intensificação dos debates
sobre as questões ambientais pelas quais o mundo está passando. Se o meio
ambiente é a fonte primária de inspiração para a espiritualidade humana, nada
mais justa que esta história seja honrada com a reintegração com os ciclos
naturais que permitiram a humanidade ampliar sua visão sobre si mesma.
Para finalizar, mais um trecho da Carta da Terra, que trata dos
possíveis caminhos para o futuro a necessidade e de mudança civilizatória a
nível global, na qual acredito que a espiritualidade pode ser a chave da
mudança.
“A escolha é nossa: formar
uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa
destruição e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais
dos nossos valores, instituições e modos de vida”.