quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Direita e Esquerda na Umbanda


Acredito que todo mundo que já teve contato com a Umbanda em algum momento ouviu falar em direita e esquerda. Mas o que vem a ser isso?

Em todas as mitologias e cosmogonias tradicionais existe uma separação entre um arquétipo divino voltado aos aspectos analíticos, racionais e ordeiros de compreender o mundo e, de outro lado, um arquétipo divino mais intuitivo, emocional e caótico.

O primeiro arquétipo costuma estar ligado ao comedimento, ao respeito às regras, à exaltação das virtudes humanas, e à uma caminhada mais harmônica de expressão de sua verdade. Já o segundo costuma estar relacionado a subversão das normas impostas, quebra de padrões, tendencia aos exageros e aos vícios, além de uma certa dose de provocação
.

Para os gregos temos Apolo e Dionísio, para os nórdicos temos Baldur e Loki, e para os iorubanos¹ Oxalá e Exú.

Princípios estruturantes e desestruturantes, unidade e diversidade, centro e periferia, Oxalá e Exú comungam dos primórdios, do início do mundo, da natureza intraduzível de Olorum, a divindade suprema.

Estamos falando de duas formas de ser e agir distintas mas complementares: os movimentos de expansão (misericórdia) e restrição (rigor), tão trabalhados nos estudos sobre o misticismo judaico sintetizado nos ensinamentos da Cabala. Mas o que isso tem haver com a Umbanda?

No nosso caminho místico-religioso dentro da religião passamos necessariamente pelos dois movimentos, hora iremos trabalhar com a luz, hora com as trevas. Essas forças representam, respectivamente, a direita e a esquerda da Umbanda.

Ao contrário do que muita gente entende, a esquerda não promove o mal. Quando dizemos que as entidades da esquerda lidam com as trevas, estamos falando no trabalho de esgotamento e decantação das energias nocivas que todo ser humano carrega dentro de si, etapa necessária para que a caminhada em direção há luz possa acontecer. Enquanto a direita exalta o bem e as virtudes, a esquerda atua para negar o mal e os vícios.

Para facilitar o entendimento, usarei uma associação de palavras relacionadas aos dois princípios.

Direita
Esquerda
Expansão
Restrição
Externo
Interno
Consciente
Inconsciente
Princípio masculino
Princípio feminino
Sol
Lua
Claridade
Escuridão
Racional
Instintivo
Ordem
Caos
Céu
Terra
Afirmar o bem
Negar o mal
Fortalecer as virtudes
Dominar os Vícios

Dessa forma, direita e esquerda são força fundamentais, opostas porém complementares e interdependentes. O equilíbrio das duas polaridades é o que garante o universo se mantenha em pleno funcionamento.

Para finalizar, vale lembrar do conceito taoísta do Taiji, mas conhecido por suas polaridades, Yin e Yang, que nos ensina que em uma polaridade existe a semente da polaridade oposta e que uma pode se transformar na outra. 


Lembremos ainda que a figura do Taiji deve ser compreendida como estando em movimento, alternando-se eternamente numa dança sagrada do equilíbrio dos princípios divinos.

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1. A religiosidade iorubana é a principal fonte de elementos místicos, mágicos e simbólicos africanos presentes na Umbanda.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Espiritualidade e Meio Ambiente (Parte I)

A proposta desta reflexão é apresentar alguns aspectos básicos na compreensão de como a espiritualidade e o meio ambiente se entrelaçam nas relações humanas e assim fomentar o debate. 

Quando pensamos na relação entre espiritualidade e meio ambiente muitas vezes tendemos a correlacionar atividades de cunho espiritualista com paisagens consideradas agradáveis. Uma ideia bastante comum é imaginar uma cena de meditação em um parque ou um belo jardim. Indo um pouco mais a fundo, pode vir à mente os rituais xamânicos realizados pelos povos indígenas em meio à floresta. Mas, quando pensamos em expressões espirituais, místicas e religiosas praticadas no meio urbano como ficam estas questões? 

Meio ambiente não é o que está fora 

Podemos entender o meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influencias e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas¹. É um sistema formado por elementos naturais e artificiais relacionados entre si e que existem num determinado local e momento. 

Mas pra além das definições técnicas, se faz necessária uma compreensão mais integrativa. É preciso entender primeiramente que o ser humano e todas as suas criações não estão separados do meio ambiente e que este compreende cada indivíduo, cada grupo, cada sociedade, cada país e assim por diante. O meio ambiente abrange tudo o que nos cerca e todas as relações que estabelecemos. 

Para aprofundar nossa visão sobre o tema, me parece sensato evocar o conceito de Ecologia Profunda, proposto pelo filósofo e ecologista norueguês Arne Næss, que argumenta que o meio ambiente se caracteriza pelo equilíbrio sutil de inter-relações complexas em que a existência de um organismo depende da existência de outros dentro dos ecossistemas. O princípio central da ecologia profunda é a crença de que o ambiente como um todo deve ser respeitado e considerado como tendo certos direitos inalienáveis de viver e florescer. 

Essa perspectiva de enxergar as relações ambientais defende que a natureza possui um valor intrínseco, independente de seu valor de uso pelo ser humano, prezando pela harmonia das sociedades humanas com o meio ambiente e pela igualdade entre as espécies. Neste sentido ao mesmo tempo que propõe que as relação homem-natureza se deem de forma ética, se contrapõe-se a visão de que o ser humano detém o domínio da natureza e que ela é apenas um recurso para satisfação de suas necessidades. 


Relação homem-ambiente e a cultura 

É a partir da relação e interação homem-ambiente que se estabeleceram os modos de vida das populações humanas antigas, o que significa dizer que todos os sistemas de crenças, valores e leis considerados primitivos refletiam com exatidão a relação que aquela sociedade desenvolvia com o meio ao seu redor, ou ainda que as religiões e filosofias da antiguidade não tinham outro foco senão harmonizar o homem com a natureza e a sociedade com o cosmos. O sucesso de uma sociedade estava estritamente ligado a harmonia dessa relação homem-natureza, pois saber utilizar os recursos naturais disponíveis da melhor forma era vital para a sobrevivência do grupo. A falha ao se adaptar ao seu meio foi a causa da destruição de diversas sociedades antigas. 

A humanidade da antiguidade aprendeu a observar, comparar, compreender e experimentar a natureza ao seu redor e, por analogia, aprendeu a fazer o mesmo seus próprios processos psíquicos e sociais. Os ensinamentos herméticos² nos explicam este processo através da “Lei da Correspondência”, que nos ensina que “o que está encima é como o que está embaixo, e o que está fora é como o que está dentro”. 


A natureza e o Sagrado 

O meio ambiente teve (e continua tendo) um papel significativo na construção de todos os sistemas de crenças e de práticas espirituais, das mais antigas às mais modernas. Desde as primeiras interpretações sobre o sagrado, marcadas pelo animismo e panteísmo nas populações consideradas primitivas, até os modernos sistemas de compreensão da transcendência do mundo moderno, nas quais tanto a ciência quanto a magia buscam explicações racionais e verificáveis para os fatos, é impossível afirmar que estas construções não passam pela percepção ambiental de seus praticantes. 

Com a modificação da relação da humanidade com o meio-ambiente se ao longo do tempo, a relação entre espiritualidade e meio-ambiente também se alterou. Da dependência passiva das forças naturais ao desenvolvimento de tecnologias que nos permitissem alterar o meio ambiente ao nosso bel-prazer (não sem consequências), podemos perceber que a humanidade se encontra cada vez menos conectada com os ciclos naturais do planeta. 

Um passo bastante significativo nessa mudança de relação do sagrado com o meio ambiente foi a consolidação da moral-judaico cristã, principalmente através da igreja católica, como grande orientadora do comportamento da sociedade ocidental. Diversos elementos presentes nesta forma de interpretar o mundo marcaram o pensamento ambiental da sociedade, principalmente no campo espiritual, entre eles a perseguição às crenças pagãs, em geral mais alicerçadas na relação com a natureza. 

O próprio berço das culturas e religiões abraâmicas se caracterizava na antiguidade como um ambiente inóspito, que exigia que qualquer grupo humano que ali se estabelecia desenvolvesse um código moral igualmente restritivo, a fim de garantir a sobrevivência do grupo. Assim, a cultura daquelas sociedades se estabeleceu na perspectiva de dominação sobre as adversidades ambientais e, por consequência, da psique e do comportamento humanos. Não faria nenhum sentido que neste ambiente se desenvolvesse uma cultura tão integrada à constante disponibilização de recursos naturais, portanto pouco restritiva, como a dos indígenas brasileiros, por exemplo. Nesse contexto a noção de natureza exuberante estaria ligada ao Paraíso, de onde o homem foi expulso por sua transgressão a Deus (o que justifica a condenação a um ambiente inóspito como espiação dos pecados) e recompensa pela boa conduta em vida. 


Somando a este processo a consolidação do processo de produção capitalista, a setorialização mais intensa da sociedade, e a mudança da maioria da população para ambientes urbanos, o contato com a natureza foi se tornando menos presente na vida humana.

De certa forma, esse afastamento da sociedade com o meio ambiente nas sociedades mais recentes, também impactou em novas formas de espiritualidades que muitas vezes não se veem mais como reflexo das relações homem-natureza.

Na próxima parte desta reflexão pretendo trazer alguns apontamentos de resgate da relação da espiritualidade com o meio ambiente.

Até lá
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1. Definição dada pela Resolução CONAMA 306/2002. 

2. O Hermetismo será abordado futuramente com mais profundidade. De forma resumida, podemos entender o Hermetismo como um conjunto de doutrinas simultaneamente filosóficas e místicas, proveniente do antigo Egito e atribuído a Hermes Trismegisto. Através do estudo e da prática da filosofia oculta e da magia pretende possibilitar a seus estudantes a evolução e expansão da consciência humana, penetrando assim nos mais profundos mistérios da consciência divina e da criação.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

O amor como instrumento de elevação espiritual (Parte I)

O amor é um tema invariavelmente abordado nas diversas tentativas dos grupos humanos de entender a realidade a sua volta e na construção de sistemas de crenças (teogonias e cosmogonias) resultantes desse processo. Da mesma forma, o amor é peça chave na construção dos modos de vida coerentes com estas diferentes visões de mundo. 

Seja nas inúmeras doutrinas filosóficas, religiosas, místicas ou iniciáticas, parece haver um consenso sobre a importância (se não centralidade) do amor para os diferentes caminhos propostos por estas diferentes doutrinas para a elevação espiritual, para a saída da vida comum em direção a algo maior. 

Por que o amor tem um papel tão importante para a superação do estado de dormência da alma, de inércia inconsciente, através do despertar da consciência? Por que tanto se fala, se discute, se racionaliza e se teoriza sobre este sentimento? 

Entender plenamente o amor e ser capaz de vivenciá-lo, incondicionalmente, é um grande desafio para a humanidade; talvez o maior desafio que enfrentamos, enquanto espíritos encarnados que vivenciam a manifestação divina, afim de despertarmos nosso próprio Deus interior. 

Por que o amor é tão desafiador? Qual o grande mistério envolto numa palavra tão pequena? Por que tanta complicação em uma ideia aparentemente tão simplória? 

A primeira constatação que precisamos fazer sobre o amor é que ele é, por sua natureza, aparentemente antagônico. É extremamente simples, ao mesmo tempo em que é extremamente complexo: simples, porque quando há amor, tudo é possível, não existe problema que faça frente a ele; complexo, porque ele exige maturidade, desprendimento, entendimento profundo e fé. O amor é, de fato, um dos fenômenos mais profundos sobre a terra. 

A depender do ponto de vista, o amor pode ser, ao mesmo tempo, causa e feito das experiências humanas: é necessário algo anterior para que o amor possa se manifestar plenamente, resultando em harmonia, mas ele também é nossa primeira animação, uma vez que é através dele que viemos ao mundo. 

Por sua natureza antagônica, irracional e impulsiva, o amor parece ser especialmente difícil de compreender a partir de uma mente racionalista, restritiva e calculista, que pretende ter controle sobre nossas vontades, sentimentos, pensamentos e ações, submetendo-os à análise criteriosa da objetividade. 

Acredito que seja importante fazer aqui um recorte, localizando geográfica e culturalmente esta reflexão, para entendermos que falar de amor em nosso contexto cultural é, invariavelmente, falar de um ponto de vista analítico ocidental, marcado pelo olhar científico, capaz de traduzir em padrões aceitáveis para a razão toda experiencia humana, inclusive as consideradas místicas e transcendentais. Desta forma, é sob este prisma que esta reflexão se desenvolve. Se tomássemos como ponto de partida uma concepção mais intuitiva e contemplativa, talvez este desenrolar reflexivo se desse de outra forma. 

Como nos ensina OSHO, em sua obra Tantra: Espiritualidade e Sexo, “em realidade, o amor é o ato mais absurdo — sem significado ou propósito além dele próprio. Ele existe em si mesmo, e não para qualquer outra coisa... O amor é o fim em si mesmo”. 

Se há alguma coisa que escapa verdadeiramente à razão, esta coisa é o amor. Por isso, para compreendê-lo, nosso lado racional precisa ser sujeitado pelo nosso emocional, mas não anulado, pois é o equilíbrio entre racional e emocional que nos abrirá as portas do entendimento. 

Primeiro é necessário sentir verdadeiramente, para depois conseguirmos racionalizar objetivamente. Só depois de vivenciados estes dois processos é possível aproximá-los, cada vez mais, para que com o tempo se tornem um só. Pensar com o coração e sentir com a mente, ser capaz de fazer a síntese entre emocional e racional. Ou talvez, simplesmente perceber que essa separação não seja tão real quanto imaginamos. 

O amor pode ser, dessa forma, a ponte que liga uma coisa à outra, que reconecta os opostos, que possibilita a tradução de todas as linguagens. Sendo assim, é através do amor que nos elevamos a um novo nível de consciência, no qual nossos opostos internos começam a se reconciliar e, por consequência, a manifestar coisas novas em nossa realidade. A energia do amor é a energia de síntese e criação. 

Se entendemos Deus como grande força geradora de tudo, do manifesto e do imanifesto, do que foi, é e será, podemos entender que o amor é a força que permite que toda a criação divina aconteça, pois é a própria força motriz do criação divina, a própria essência do movimento do sistema divino. Nada pode ser criado no universo que não seja pelo amor. Como consequência disso, entendemos que o amor é a chave para o entendimento de todos os fenômenos que se manifestam no mundo. 

Se o amor é, então, a ferramenta usada por Deus para animar sua criação, seria possível para a humanidade entender a Deus sem antes entender o amor? É possível que nos aproximemos de Deus, sem nos aproximarmos de sua força animadora? Existe um modelo de espiritualidade possível que não seja amorosa em sua essência? Se entendemos o amor como a fonte da inspiração anímica da criação divina, ou seja, como o filtro por onde a emanação divina ganha sentido para existir, como poderia uma vida sem amor permitir uma espiritualidade sadia? 

Na continuação desta reflexão, tentarei apresentar algumas possíveis respostas para estes questionamentos. 

Até lá.

sábado, 18 de janeiro de 2020

O caminho do autoconhecimento

Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais;
Caminhante, não há caminho, se faz o caminho ao andar*.

Ao iniciarmos nosso processo de autoconhecimento é muito tentador buscar algum tipo de Guru que nos apresente o melhor caminho a seguir, aquele que apresenta menos obstáculos e que pode ser trilhado no menor tempo possível. Afinal, no ritmo frenético da sociedade atual, quem tem tempo pra dedicar a se autoconhecer, não é verdade? Um método de autoconhecimento instantâneo parece ser a pedida ideal. Se puder ser “delivery”, melhor ainda. Nada que demande muito tempo nem esforço.

Infelizmente (ou talvez não) na prática isso não é possível. Qualquer método apresentado como fácil e rápido dever ser visto com reticência, especialmente se prometer resultados milagrosos. Isso também não quer dizer que o processo de autoconhecimento precise ser demasiadamente doloroso, lento e cheio de dificuldades para funcionar. Mudar o pêndulo para a outra extremidade também não é a solução.

Qual é, então, o melhor caminho para o autoconhecimento? Resumindo em poucas palavras, ele simplesmente não existe. Pelo menos não a nível universal, pois isso implicaria ignorar que todas as individualidades e idiossincrasias dos diferentes grupos e sujeitos. É impossível estabelecer uma fórmula universal que abarque todas a diversidade humana com igual eficiência.

Para se estabelecer o melhor caminho, duas coisas são essenciais: saber onde se está (qual é o ponto de partida?) e onde se deseja chegar (qual é o ponto de destino?). Só assim, a partir da análise do território no qual estes dois pontos se encontram, é possível estabelecer, primeiramente, os vários possíveis caminhos (porque há mais de um – e todos os caminhos levam à Roma!) e qual deles é o melhor, pelo menos para aquele momento. Para aprofundar nesse entendimento, vale lembrar os conceitos budistas de Kharma e Dharma (Link para um vídeo do canal “Textos para Reflexão, de Rafael Arrais sobre o tema: https://www.youtube.com/watch?v=PH5z-X6L34Y).

O caminho do autoconhecimento é invariavelmente pessoal, pois precisa respeitar a história, gostos, saberes e valores do indivíduo. Para alguns o caminho será mais solitário, para outros mais coletivo; poderá ser mais prático ou mais reflexivo, dentre inúmeras outras possibilidades. Por isso, antes de iniciar o trajeto é bom analisar os possíveis primeiros passos, sem se esquecer que o trajeto pode ser mudado a qualquer momento.

Possíveis caminhos

Algumas vias de autoconhecimento nos são apresentadas pelas ciências humanas, um corpus de conhecimentos construídos através da coleta, análise e interpretação de fatos, coletivos e individuais, ao longo da história da humanidade e vistos pelo olhar da academia e dos métodos racionalistas do paradigma científico. Podemos citar a Filosofia e a Psicologia como as duas áreas de conhecimentos das ciências humanas como aquelas que dialogam mais diretamente com a busca do autoconhecimento, embora de certa forma todas podem dar sua contribuição no processo.

A Filosofia sempre se preocupou com a natureza humana, seus defeitos e virtudes, além de abordar modos de vida adequados às concepções filosóficas sobre a felicidade. Um dos exemplos mais emblemáticos foi Epicuro e seus ensinamento sobre o bem viver. Ao se compreender o que está sendo proposto por cada sistema filosófico é possível reinterpretar nossa própria perspectiva de vida, nos permitindo vivenciar outras formas de encarar o mundo.

A Psicologia, ao estudar o comportamento e os processos mentais dos indivíduos, possui algumas abordagens mais focadas na parte clínica (avaliação e tratamento das psicopatologias), outras mais focadas na parte terapêutica (compreensão e resolução de problemas em diferentes camadas do comportamento humano, incluindo questões de cunho mais existencial) e ainda abordagens que mesclam as duas perspectivas. Para fins de autoconhecimento é importante conhecer um pouco sobre as diferentes abordagens e verificar qual mais se adéqua às necessidades de cada indivíduo.

Outra possibilidade são as vias de autoconhecimento que trafegam pelo entendimento metafísico da existência humana, se apresentando como caminhos que envolvem uma visão mais transcendental e mística da existência humana, em geral menos focadas nos entendimentos unicamente racionalistas.

Um dos caminhos mais adotados nesta perspectiva é a Religião. Para grande parte da população esta é a porta de entrada para qualquer experiência metafísica. De fato, a via religiosa se adéqua aos anseios de muitos pessoas, que buscam no entendimento e interiorização das doutrinas uma forma de satisfazer suas necessidades de transcendência. Por outro lado, o caráter massificado dos ensinamentos e a imposição de dogmas se apresentam como fatores limitadores para muitas outras.

Outro caminho possível é o estudo e prática do Ocultismo, que nada tem de relação com as práticas malignas do imaginário popular. Aqui, quando dizemos oculto estamos falando daquilo que não é visível a “olho nu”, um conjunto de conhecimentos que não está disponível para toda a população, pelo menos a princípio. Nesse caminho é comum que se trilhe com outras pessoas, principalmente pessoas mais experientes que possam auxiliar na caminhada.

É nesse contexto em que se inserem as Ordens Iniciáticas. Entendemos por iniciação o processo de entrada num sistema de compreensão do mundo diferente da vida ordinária, para o qual é necessário um processo de morte e renascimento simbólicos. Dentro das ordens há uma jornada previamente estabelecida na qual os membros passarão por estudos, vivencias e rituais que lhe apresentarão, aos poucos, uma nova forma de ver a si mesmos e o mundo ao seu redor.

A escolha do caminho

Com tantos caminhos disponíveis, por onde começar?

Primeiramente é bom lembrar que, como exposto acima, não existe caminho ideal. Qualquer que seja a via escolhida, seja alguma das expressas aqui, sejam outras (e há muitas outras), todas apresentarão desafios e muitas vezes farão o indivíduo ter vontade de desistir. A persistência é peça chave para o autoconhecimento.

O mais importante é ter em mente que todo caminho necessita de um ponto de partida e de um chegada, mas a jornada entre eles pode ser modificada quantas vezes se fizer necessário. Mas, independente do caminho escolhido, é importante que haja entrega, que se viva aquela experiencia em sua plenitude.

*Este pequeno trecho do poema Cantares, do poeta espanhol Antonio Machado, ilustra com delicadeza e precisão o ponto central desta reflexão. Segue versão completa do poema, com tradução de Maria Teresa Almeida Pina.

Cantares (Antonio Machado)

Tudo passa e tudo fica
porém o nosso é passar,
passar fazendo caminhos
caminhos sobre o mar
Nunca persegui a glória
nem deixar na memória
dos homens minha canção
eu amo os mundos sutis
leves e gentis,
como bolhas de sabão
Gosto de ver-los pintar-se
de sol e grená, voar
abaixo o céu azul, tremer
subitamente e quebrar-se…
Nunca persegui a glória
Caminhante, são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar
Ao andar se faz caminho
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se há de voltar a pisar
Caminhante não há caminho
senão há marcas no mar…
Faz algum tempo neste lugar
onde hoje os bosques se vestem de espinhos
se ouviu a voz de um poeta gritar
“Caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar”…
Golpe a golpe, verso a verso…
Morreu o poeta longe do lar
cobre-lhe o pó de um país vizinho.
Ao afastar-se lhe viram chorar
“Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar…”
Golpe a golpe, verso a verso…
Quando o pintassilgo não pode cantar.
Quando o poeta é um peregrino.
Quando de nada nos serve rezar.
“Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar…”
Golpe a golpe, verso a verso.

sábado, 11 de janeiro de 2020

Umbanda - uma religião genuinamente brasileira

A Umbanda é uma religião multimatricial de caráter sincrético, surgida em solo Brasileiro no começo do século XX. Ao longo de sua história, a religião se moldou de acordo com os diversos grupos com os quais interagiu.

Não é a única religião nascida no Brasil, nem é a mais antiga. Vários cultos e religiões dividem com a Umbanda sua nacionalidade, como a Pajelança, o Toré, a Jurema (Catimbó), o Batuque, o Tambor de Mina, o Babaçuê, a Encantaria, o Terecô, o Espiritismo (originalmente uma doutrina de cunho cientificista), os Candomblés, o Omolocô, dentre tantas outras. Vale desatacar também as Macumbas, expressões religiosas populares que foram absorvidas pela Umbanda após sua formalização.

O que se destaca na Umbanda é o fato de ela ser bastante abrangente territorialmente, diferente da maioria dos cultos citados anteriormente, que são regionais. Esse fato faz com que a Umbanda absorva, em cada território em que se manifeste, elementos da cultura e religiosidade locais.

As diferenças socioculturais presentes nas diferentes regiões do país, somadas ao fato de as bases fundamentais da Umbanda serem provenientes de sistemas religiosos diversos, com fundamentos muitas vezes contrastantes, gera no interior da religião sua principal característica, a diversidade. Seja de ritos, seja de denominações, seja no número (ou na existência) de Orixás presentes no congá, ou ainda na incorporação ou não destes, seja nos toques do atabaque (ou na ausência destes), seja nos diversos elementos manipulados durante as giras, seja na periodicidade destas.

É tanta diversidade que, por questões didáticas, talvez fosse mais fácil falarmos de Umbandas, Tradições de Umbanda, ou Cultos de Umbanda, no plural mesmo, para não corrermos o risco de apagar as diferenças nas formas de vivenciar esta religião.

E, se pensarmos bem, não poderia ser diferente. Qual forma melhor de representar a riqueza cultural do país que uma religião ricamente diversa?

Aqui cabe uma breve confissão sobre este texto: ele só consegue representar a minha visão sobre a Umbanda, resultado tanto da minha vivência quando dos meus estudos e reflexões sobre a religião. O mesmo vale para qualquer obra umbandista: ela sempre vai refletir a visão da pessoa que escreveu e da tradição de Umbanda que esta pessoa segue. Nenhuma obra é universal dentro de uma religião tão diversa e mutável como a Umbanda.

Agora, voltando ao assunto, ao contrário do que muitas pessoas acreditam, a diversidade dos cultos de Umbanda não é um ponto de fragilidade, em si mesma. Antes de tudo, a diversidade é necessária, reflexo da complexidade social, histórica, cultural e política do País. Se a Umbanda visa falar aos corações dos humildes e necessitados, como nos ensina o Caboclo das 7 Encruzilhadas, ela precisa falar muitas línguas, pois os necessitados não são todos iguais.

Não estou negando os problemas resultantes de falta de unidade, nem que existam rivalidades irreconciliáveis entre algumas tradições, estou apenas apontando que isso tem mais relação como nossa dificuldade em enxergar como válida a experiência do outro, de reconhecer a experiência do outro como sendo tão boa quanto a nossa, do que com a diversidade em si. Nas palavras do grande Caetano Veloso, “Narciso acha feio o que não é espelho”.

Experimentemos olhar para a diversidade com olhos não enviesados pelo preconceito, e veremos que ela só fortalece o sistema religioso umbandista. Novos pontos de vista, novos questionamentos, novos desafios e novas perspectivas de interpretações dos mesmos fatos não são coisas negativas quando se está aberto para a reflexão.

Compreender isso é um ponto importante para darmos mais alguns passos para entender nossa religião.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Para começar a entender a Umbanda

Pra começar a falar sobre o que é a Umbanda, vamos falar primeiro sobre o que ela não é.


A Umbanda não é uma variação do espiritismo, nem do candomblé, nem da Jurema (Catimbó), nem do Batuque, nem de nenhuma outra expressão religiosa. Umbanda não é uma seita, nem uma doutrina espiritualista, nem uma escola iniciática.

O que é, então, a Umbanda? A resposta mais simples, porém precisa, é que a Umbanda é uma religião. Se quisermos aprofundar a resposta, diremos que a Umbanda é uma religião brasileira nascida do sincretismo entre diversos sistemas religiosos presentes em solo pátrio, sejam eles estrangeiros, como os europeus (catolicismo e espiritismo) e os africanos (cultos de Nação), sejam os nativos brasileiros (cultos indígenas).

Por detrás de toda a discussão do que pode ser considerado ou não como Umbanda (e quem somos nós, no final das contas, pra bater o martelo?) me parece sensato ter como princípio balizador o respeito aos princípios fundamentais. Atendendo a estes princípios, a diversidade ritualística é uma questão secundária.

Mas, talvez seja mais importante pensarmos a Umbanda a partir das palavras do Caboclo das 7 Encruzilhadas, entidade responsável pela anunciação da Religião. Através de seu Médium, Zélio Fernandino de Moraes, o Caboclo conceituou a Umbanda como: “...a manifestação do espírito para a prática da caridade”. Disse, ainda, que a religião vinha falar aos corações dos humildes e acolher a todos que necessitassem: “...com os que sabem mais aprenderemos, aos que sabem menos ensinaremos, e a nenhum rejeitaremos”.

Além da prática da caridade1, outros dois elementos são elencados como pilares da religião: o respeito ao livre-arbítrio de todos os seres (humanos e não-humanos) e o amor incondicional. Esses elementos representam grandes desafios para a caminhada de todo umbandista, visto que não somos culturalmente ensinados a cultivá-los.

Desta forma, podemos entender a Umbanda como a manifestação mediúnica (de incorporação e de outros tipos) que tenha como objetivo a prática da Caridade, o respeito ao livre-arbítrio e o amor incondicional. Isso equivale a dizer que a orientação de acordos com estes valores básicos está acima das orientações ritualísticas. Em bom português, o conteúdo vale mais que a forma.

A Umbanda enquanto religião, portanto comum a uma comunidade religiosa, é uma só, apesar de existirem diferentes formas de compreender e vivenciar as experiências místicas propostas e oferecidas pelos guias espirituais que atuam orientando os encarnados nessa jornada.

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1 Nos aprofundaremos posteriormente no que venha a ser a caridade num sentido mais amplo, com seus vieses e desdobramentos. Por hora, fiquemos com a concepção de ser uma prática benevolente feita em prol dos necessitados.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Texto de apresentação do Blog

O “Preciso me Encontrar” nasceu da necessidade de organizar de maneira mais racional meus estudos, reflexões e aprendizados relacionados ao Autoconhecimento, religião, magia, espiritualidade e desenvolvimento humano.


Mais do que tudo, esse blog é um diário aberto ao público, para aqueles e aquelas que, como eu, também precisam se encontrar nesse mundo de infinitas possibilidades.

De forma alguma pretendo apresentar aqui verdades absolutas, mas sim os resultados do meu processo de auto-aprimoramento, expressando minhas verdades pessoais, mesmo que momentâneas.

Quem se sentir a vontade para me acompanhar nessa viagem será recebidos de braços (e coração) abertos.