Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais;
Caminhante, não há caminho, se faz o caminho ao andar*.
Ao
iniciarmos nosso processo de autoconhecimento é muito tentador
buscar algum tipo de Guru que nos apresente o melhor caminho a
seguir, aquele que apresenta menos obstáculos e que pode ser
trilhado no menor tempo possível. Afinal, no ritmo frenético da
sociedade atual, quem tem tempo pra dedicar a se autoconhecer, não é
verdade? Um método de autoconhecimento instantâneo parece ser a
pedida ideal. Se puder ser “delivery”, melhor ainda. Nada que
demande muito tempo nem esforço.
Infelizmente
(ou talvez não) na prática isso não é possível. Qualquer método
apresentado como fácil e rápido dever ser visto com reticência,
especialmente se prometer resultados milagrosos. Isso também não
quer dizer que o processo de autoconhecimento precise ser
demasiadamente doloroso, lento e cheio de dificuldades para
funcionar. Mudar o pêndulo para a outra extremidade também não é
a solução.
Qual
é, então, o melhor caminho para o autoconhecimento? Resumindo em
poucas palavras, ele simplesmente não existe. Pelo menos não a
nível universal, pois isso implicaria ignorar que todas as
individualidades e idiossincrasias dos diferentes grupos e sujeitos.
É impossível estabelecer uma fórmula universal que abarque todas a
diversidade humana com igual eficiência.
Para
se estabelecer o melhor caminho, duas coisas são essenciais: saber
onde se está (qual é o ponto de partida?) e onde se deseja chegar
(qual é o ponto de destino?). Só assim, a partir da análise do
território no qual estes dois pontos se encontram, é possível
estabelecer, primeiramente, os vários possíveis caminhos (porque há
mais de um – e todos os caminhos levam à Roma!) e qual deles é o
melhor, pelo menos para aquele momento. Para aprofundar nesse
entendimento, vale lembrar os conceitos budistas de Kharma e Dharma
(Link para um vídeo do canal “Textos para Reflexão, de Rafael
Arrais sobre o tema: https://www.youtube.com/watch?v=PH5z-X6L34Y).
O
caminho do autoconhecimento é invariavelmente pessoal, pois precisa
respeitar a história, gostos, saberes e valores do indivíduo. Para
alguns o caminho será mais solitário, para outros mais coletivo;
poderá ser mais prático ou mais reflexivo, dentre inúmeras outras
possibilidades. Por isso, antes de iniciar o trajeto é bom analisar
os possíveis primeiros passos, sem se esquecer que o trajeto pode
ser mudado a qualquer momento.
Possíveis
caminhos
Algumas
vias de autoconhecimento nos são apresentadas pelas ciências
humanas, um corpus de conhecimentos construídos através da coleta,
análise e interpretação de fatos, coletivos e individuais, ao
longo da história da humanidade e vistos pelo olhar da academia e
dos métodos racionalistas do paradigma científico. Podemos citar a
Filosofia e a Psicologia como as duas áreas de conhecimentos das
ciências humanas como aquelas que dialogam mais diretamente com a
busca do autoconhecimento, embora de certa forma todas podem dar sua
contribuição no processo.
A
Filosofia sempre se preocupou com a natureza humana, seus
defeitos e virtudes, além de abordar modos de vida adequados às
concepções filosóficas sobre a felicidade. Um dos exemplos mais
emblemáticos foi Epicuro e seus ensinamento sobre o bem viver. Ao se
compreender o que está sendo proposto por cada sistema filosófico é
possível reinterpretar nossa própria perspectiva de vida, nos
permitindo vivenciar outras formas de encarar o mundo.
A
Psicologia, ao estudar o comportamento e os processos mentais
dos indivíduos, possui algumas abordagens mais focadas na parte
clínica (avaliação e
tratamento das
psicopatologias), outras
mais focadas na parte terapêutica (compreensão e
resolução de problemas em diferentes camadas do comportamento
humano, incluindo questões de cunho mais existencial) e ainda
abordagens que mesclam as duas perspectivas. Para fins de
autoconhecimento é importante conhecer um pouco sobre as diferentes
abordagens e verificar qual mais se adéqua às
necessidades de cada indivíduo.
Outra
possibilidade são as vias de autoconhecimento que trafegam pelo
entendimento metafísico da existência humana, se apresentando como
caminhos que envolvem uma visão mais transcendental e mística da
existência humana, em geral menos focadas nos entendimentos
unicamente racionalistas.
Um
dos caminhos mais adotados nesta perspectiva é a Religião.
Para grande parte da população esta é a porta de entrada para
qualquer experiência metafísica. De fato, a via religiosa se adéqua
aos anseios de muitos pessoas, que buscam no entendimento e
interiorização das doutrinas uma forma de satisfazer suas
necessidades de transcendência. Por outro lado, o caráter
massificado dos ensinamentos e a imposição de dogmas se apresentam
como fatores limitadores para muitas outras.
Outro
caminho possível é o estudo e prática do Ocultismo, que
nada tem de relação com as práticas malignas do imaginário
popular. Aqui, quando dizemos oculto estamos falando daquilo que não
é visível a “olho nu”, um conjunto de conhecimentos que não
está disponível para toda a população, pelo menos a princípio.
Nesse caminho é comum que se trilhe com outras pessoas,
principalmente pessoas mais experientes que possam auxiliar na
caminhada.
É
nesse contexto em que se inserem as Ordens Iniciáticas.
Entendemos por iniciação o processo de entrada num sistema de
compreensão do mundo diferente da vida ordinária, para o qual é
necessário um processo de morte e renascimento simbólicos. Dentro
das ordens há uma jornada previamente estabelecida na qual os
membros passarão por estudos, vivencias e rituais que lhe
apresentarão, aos poucos, uma nova forma de ver a si mesmos e o
mundo ao seu redor.
A
escolha do caminho
Com
tantos caminhos disponíveis, por onde começar?
Primeiramente
é bom lembrar que, como exposto acima, não existe caminho ideal.
Qualquer que seja a via escolhida, seja alguma das expressas aqui,
sejam outras (e há muitas outras), todas apresentarão desafios e
muitas vezes farão o indivíduo ter vontade de desistir. A
persistência é peça chave para o autoconhecimento.
O
mais importante é ter em mente que todo caminho necessita de um
ponto de partida e de um chegada, mas a jornada entre eles pode ser
modificada quantas vezes se fizer necessário. Mas, independente do
caminho escolhido, é importante que haja entrega, que se viva aquela
experiencia em sua plenitude.
*Este
pequeno trecho do poema Cantares, do poeta espanhol Antonio Machado,
ilustra com delicadeza e precisão o ponto central desta reflexão.
Segue versão completa do poema, com tradução
de Maria Teresa Almeida Pina.
Cantares
(Antonio Machado)
Tudo
passa e tudo fica
porém o nosso é passar,
passar fazendo
caminhos
caminhos sobre o mar
Nunca
persegui a glória
nem deixar na memória
dos homens minha
canção
eu amo os mundos sutis
leves e gentis,
como bolhas
de sabão
Gosto
de ver-los pintar-se
de sol e grená, voar
abaixo o céu azul,
tremer
subitamente e quebrar-se…
Nunca
persegui a glória
Caminhante,
são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há
caminho,
se faz caminho ao andar
Ao
andar se faz caminho
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda
que nunca
se há de voltar a pisar
Caminhante
não há caminho
senão há marcas no mar…
Faz
algum tempo neste lugar
onde hoje os bosques se vestem de
espinhos
se ouviu a voz de um poeta gritar
“Caminhante, não
há caminho,
se faz caminho ao andar”…
Golpe
a golpe, verso a verso…
Morreu
o poeta longe do lar
cobre-lhe o pó de um país vizinho.
Ao
afastar-se lhe viram chorar
“Caminhante não há caminho,
se
faz caminho ao andar…”
Golpe
a golpe, verso a verso…
Quando
o pintassilgo não pode cantar.
Quando o poeta é um
peregrino.
Quando de nada nos serve rezar.
“Caminhante não
há caminho,
se faz caminho ao andar…”
Golpe
a golpe, verso a verso.