sexta-feira, 11 de junho de 2021

Reflexão sobre a Preguiça (Parte II)

 
Esta é a continuação da reflexão que pode ser acessada clicando aqui:Reflexão sobre a Preguiça (Parte I)

A partir da reflexão anterior, chegamos ao ponto de que a preguiça é um fenômeno psíquico através do qual o impulso de ação é ativamente limitado ou repelido.

Partindo do pressuposto da eficiência da psique humana, nenhum fenômeno psíquico é criado sem que haja necessidade para tal, pois representaria um gasto desnecessário de um recurso finito e que tem um objetivo específico, nossa individuação. Se nossa psique cria um mecanismo que age ativamente para impedir a ação, deve haver alguma razão.

Retomando a reflexão anterior sobre orgulho (pode ser acessada clicando aqui Reflexão sobre o Orgulho (Parte I) e aqui Reflexão sobre o Orgulho (Parte II)), assumirei que a preguiça também funcione como um mecanismo de defesa psíquica. Mas não uma defesa do cansaço em si, pois isso seria natural e até benéfico, mas de um desgaste imaginado ou pressuposto que não necessariamente está calcado na percepção do real ou do agora, ou que está superestimado.

 


Analisando como a preguiça age em mim, percebo que as situações em que a preguiça mais me afeta são exatamente aquelas nas quais eu precisaria me expor mais do que eu gostaria. Não é, necessariamente, a ação em si que estou evitando, e sim o envolvimento intelectual ou emocional com aquela questão e, eventualmente, precisar revelar meus valores, ideias e minha visão de mundo, me colocando numa posição de vulnerabilidade diante do mundo.

Aprofundando ainda mais, as situações mais críticas são aquelas que desafiam habilidades que considero que não tenho ou que sei que estão mal desenvolvidas. A preguiça parece ser, dessa forma, meu escudo contra o confronto com meus limites.

Nesse sentido, a preguiça parece exercer em mim o papel da inércia na mecânica dos corpos, uma força que me faz permanecer no estado atual, de não movimento. Por analogia, imagino que em outras situações a força da preguiça me mantenha em movimento contínuo, de forma que não consiga, de fato, parar para refletir sobre o que estou fazendo. Essa segunda manifestação costuma acontecer em aspectos específicos da minha vida, principalmente relacionados à práticas e estudos espirituais.

Acredito ser possível entender, então, a preguiça como sendo o reflexo do desequilíbrio da disposição para refletir, reavaliar e, caso necessário, modificar padrões, ideias e sentimentos. Neste sentido, acaba sendo uma peça chave nos processos de auto aprimoramento.

Se, como resultado lógico da reflexão posta, temos que a preguiça é uma força relacionada com nosso contato com nossos limites, uma espécie de guardiã dos nossos limiares, das bordas de nós mesmos, acredito que esta seja uma chave importante para como trabalhar essa energia.

Cruzar o limiar parece tentador, possibilita o contato com o desconhecido, com o que está além do véu, ao mesmo tempo que abre caminho para que nos percamos na multiplicidade de possibilidades (caos absoluto). Se há uma sentinela que protege essa passagem, precisamos aprender a lidar com ela, negociar nossas passagens, sempre precavidos contra as adversidades que possamos encontrar.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Reflexão sobre a Preguiça (Parte I)

Quando ouço a palavra preguiça, a primeira imagem mental que me vem (além do fofíssimo bicho-preguiça, claro) é a de estagnação, falta de movimento, um estado de espírito no qual não há ímpeto de ação. 


Buscando na memória, a preguiça evoca diversos momentos nos quais essa não-ação é enxergada como algo inerentemente natural, prazeroso e sadio (“uma tarde preguiçosa de chuva”, “uma rede preguiçosa pra deitar” etc). No entanto as considerações negativas sobre a preguiça são muito mais abundantes, sendo que diversas palavras que estão em seu campo semântico são utilizadas como xingamento, como vagabundo, vadio etc.

Partindo disso, me surgem duas perspectivas para seguir com a reflexão. Na primeira a preguiça se originaria da ausência de movimento, de forma passiva, quando não há estímulo suficiente. Na segunda a origem é a aversão (e não a simples ausência) de movimento, sendo que neste caso a preguiça adquire um caráter ativo, pois mesmo diante da possibilidade de ação, há uma força intrínseca que a anula.

Como ponto de partida, partirei do entendimento da preguiça como sinônimo de não-ação. Também irei considerar que essa tipificação da preguiça como ativa e passiva, baseada na aversão ou na simples ausência de ação, seja relevante.

A não-ação faz parte dos fenômenos naturais observáveis, sendo de vital importância para os processos naturais. São momentos interciclos, nos quais as condições para reinício estão sendo gestadas. Tomo a liberdade de citar as palavras de Mauro Iasi, em seu poema Aula de Voo, quando diz que “para o voo é preciso tanto o casulo como a asa”. Assim são os momentos que podemos ver no inverno, na lua nova, nas entre-safras etc. 

Considerando que a humanidade, assim como toda a criação divina, foi feita à imagem e semelhança de Deus, podemos partir da análise que os ciclos naturais refletem a natureza divina e, de forma análoga, também dos seres humanos. Se a natureza tem seus ciclos de ação e não-ação, desta forma, podemos entender que com a humanidade também acontece o mesmo. 


Porém, é importante levar em conta que estes momentos de não-ação são, via de regra, menores que os de ação e que o mesmo deve ser verdade para os seres humanos. Os momentos de descanso precisam ser menores do que os momentos de trabalho.

Além disso, é vital que lembremos que não-ação absoluta é impossível. Sempre estamos em algum tipo de movimento, mesmo que seja um movimento ativo e consciente de conservação de energia ou defesa contra possíveis ameaças.

Desta forma, me parece insuficiente a associação da preguiça com os momentos de não-ação, uma vez que, sendo um conceito típico da natureza psíquica humana, não pode ser ligado aos fenômenos naturais de forma tão automática. Em outras palavras, a não-ação é natural e saudável, mas a preguiça não o é necessariamente, visto que não são da mesma natureza.

O que define, então, a preguiça? Qual sua natureza última? E, principalmente, o que faz com que seja considerada por muitas tradições espiritualistas e religiosas como um defeito capital?

Retomarei aqui a divisão inicial entre a preguiça passiva e ativa, com base na ausência ou na aversão à ação. Se a ausência de ação é natural e faz parte integrante dos ciclos naturais, sendo, como já visto, de outra natureza em relação à preguiça, a associação entre essas duas coisas não me parece, de fato, válida. Assim, a ideia de preguiça está intrinsecamente ligada à sua forma ativa (na verdade sua única forma), na qual o fator definidor é a aversão ou recusa à ação e ao trabalho.

Acredito ter chegado num ponto importante da reflexão, porém essa ideia ainda não explica como a preguiça se origina, como age na psique humana e, o mais importante, como combatê-la.

Na continuação desta reflexão, tentarei desenvolver estas ideias. Até lá.