segunda-feira, 8 de junho de 2020

Reflexão sobre a Mente, a Realidade e a Liberdade (Parte I)

Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem. 
Rosa Luxemburgo


Ao longo da jornada da humanidade, desde que os seres humanos se percebem como seres conscientes, diversas foram as tentativas de explicação sobre a natureza humana, sobre o mundo ao seu redor e sobre o pós-vida. Mais tarde, estas questões deram luz à outras ondas de questionamentos, como sobre o funcionamento da mente humana, sobre o que é ou não real, se há forças externas que controlam a vida humana, entre muitas outras. 

Partindo de diferentes perspectivas, a religião, a magia, a filosofia e a ciência buscaram responder estas e outras questões, chegando a respostas aparentemente discrepantes que deram luz à modos de pensar divergentes, o que não contribui para alcançarmos o que poderia se caracterizar como a resposta definitiva. 

A religião tem por fundamento fazer a reconexão da humanidade com a grande força criadora do universo, que chamarei aqui de Deus, transmitindo seus ensinamentos às massas através de dogmas, ritos e crenças uniformes.

A magia pretende despertar no homem suas potências divinas, para que este seja capaz de modificar sua realidade por meio de sua vontade, o que exige conhecimento amplo nas diversas áreas de conhecimento disponíveis, capacidade de adaptar e estes conhecimentos para novas formas e um não-apego a paradigmas limitantes.

A filosofia se baseia no desenvolvimento humano através da capacidade crítica, analítica e racional, baseando-se nos estudos teóricos sobre a natureza humana e na relação dos homens com os elementos externos (desde outros homens até uma figura como Deus).

A ciência visa a construção de conhecimentos amplamente verificáveis, reproduzíveis, fazendo uso do método científico para validação de dados e elaboração de conhecimentos mais complexos.


Mesmo estes diferentes caminhos já expressaram entendimentos diferentes em épocas distintas. Essa adaptação é natural, pois a realidade é dinâmica, assim como a percepção humana sobre si mesma e sobre o mundo. A ciência adquire novos conhecimentos, a religião se adéqua aos novos membros, a magia se reinventa e a filosofia aprofunda cada vez mais suas questões fundamentais; essas mudanças são causa e efeito das mudanças sociais; as sociedades humanas adquirem novas formas de funcionamento.

Cada um desses caminhos, ou outros que possam existir, se volta para uma parte específica da análise da realidade (interna e externa do homem), sobre a qual consegue se aprofundar e estabelecer um caminho para que seus adeptos possam trilhar de forma segura.

Em todos os casos, me parece que há uma ideia inata, porém nem sempre explícita, de conferir aos homens ferramentas para que se tornem capazes de tomar decisões sobre sua vida. Me parece, ainda, que o objetivo final seja o de atingir a liberdade para conduzir sua própria vida. Esse será o ponto central que conduzirá esta reflexão.

Nossa liberdade é diretamente proporcional à nossa capacidade de tomar decisões conscientes sobre nossas ações. Para isso, é preciso que saibamos as leis e forças (físicas, jurídicas, culturais etc.) que nos regem e que implicam nas possíveis consequências de nossas ações. 

Desta forma, seja através de dogmas, paradigmas, teorias, crenças ou tabus, cada um dos caminhos de desenvolvimento humano nos ensina a tomar decisões e poder agir livremente, pelo menos dentro do padrão de liberdade enxergado como ideal.

Só podemos escolher entre as opções viáveis, no tempo e no espaço, daquilo que nos é dado à escolher. Também é verdade que só podemos verdadeiramente escolher quando compreendemos todas as variáveis envolvidas, incluindo nossa própria vontade.

Nossas escolhas, fator principal da liberdade, são dependentes da forma como entendemos o mundo e esta, por sua vez, é dependente das ideias, emoções, instintos e animações que povoam nossa mente.

Pensamentos não estão isentos de valores, eles carregam mensagens importantes sobre como percebemos o mundo, e se configuram como hipóteses, ou seja, uma das possíveis interpretações da realidade, não a verdade absoluta. 

Nossa mente não percebe a realidade em si, mas sim como os acontecimentos nos afetam. A percepção da realidade é filtrada, primeiro pelos receptores físicos, depois por nossa bagagem cognitiva de cunho intelectual e por último por nosso conjunto de memórias, traumas, crenças e valores. Estes filtros de realidade influenciam a forma como percebemos o ambiente ao nosso redor, os acontecimentos em nossa vida e, por fim, a nós mesmos.

Os filtros de realidade não são, inicialmente, construídos por nós. Eles são frutos de nossas experiências desde a mais tenra idade e, caso não haja intervenção, dominarão nossa mente e nossa realidade até o fim de nossas vidas.

Dessa forma, para alterar nossa visão de mundo, alterando nossa capacidade de realizar escolhas conscientes e, por fim, alcançar nossa liberdade, precisamos antes modificar nossos filtros de realidade. Este trabalho não acontece de uma hora para outra, precisando ser feito de modo contínuo, responsável e respeitando nosso próprio ritmo. 

Como só percebemos o que conhecemos, não somos capazes de perceber coisas muito distantes de nossa compreensão. Dessa forma, a expansão deve começar a partir de conteúdos mais próximos à nossa realidade, porém que já possam apresentar pontos de inflexão e ruptura de valores cristalizados. Depois estaremos aptos a absorver conteúdos cada vez mais distantes de nós.

Porém não podemos modificar o que não conhecemos. Os mecanismos de percepção da realidade são, em grande parte, inconscientes, sendo necessário um processo de aprofundamento em nossa própria mente para começarmos a identificá-los. Por isso é mais fácil, inicialmente, mapear nossas emoções e atitudes espontâneas do que o pensamento em si. A partir daí, podemos fazer o caminho inverso, até sermos capazes de chegar aos filtros mais profundos. 

A chave para entendermos nossos filtros mais aparentes está na observação da repetição de emoções e atitudes. Em que situações sou dominado pela raiva, ou pela tristeza, ou pela alegria? O que estas situações têm em comum. o que desperta estas emoções em mim?

Reconhecer os pensamentos e ideias que se repetem é pré-requisito para termos a capacidade de controlar e eliminar aqueles que não nos pertencem e que atrapalham nosso processo de conquistar a autonomia sobre nós mesmos.

Na próxima parte tentarei trazer alguns ensinamentos trazidos pela Tradição Hermética que podem nos ajudar a entender melhor esse processo.

Até lá

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