segunda-feira, 29 de junho de 2020

As linhas de trabalho na Umbanda (parte I)

Os espíritos que se manifestam na Religião de Umbanda para realizar o trabalho caritativo se dividem, segundo seu nível vibratório, em diversos agrupamentos que formam uma cadeia hierárquica de comando, lembrando a organização militar. 

A primeira grande divisão dos espíritos é entre as polaridades da Direita e da Esquerda. Para entender sobre essa divisão acesse o artigo Direita e Esquerda na Umbanda.

A Segunda divisão organiza os espíritos em Linhas de Trabalho. Caboclos, Pretos-velhos, Erês, Exús e Pombogiras são, provavelmente, as linhas mais conhecidas, inclusive por não praticantes da Religião. 

Além destas temos os Baianos, Boiadeiros, Marinheiros, Ciganos, Malandros e Exús-mirins como linhas bastante conhecidas, mas que não estão presentes em todos os terreiros. Temos ainda linhas como o Povo do Oriente, os Cangaceiros, os Piratas e os Africanos, que apesar de presentes em muitos terreiros, não são completamente vistas como linhas de trabalho propriamente ditas. 

Por último, temos linhas originárias de outros sistemas de crenças que acabam se manifestando nas giras, devido à abertura dos e das comandantes astrais das casas. Podemos citar a linha dos Médicos, dos Frades (Semiromba), dos Mestres e Mestras da Jurema, entre outras.

As linhas de trabalho são compostas por espíritos que se apresentam em arquétipos presentes no inconsciente coletivo, plasmando seus corpos astrais com determinadas características simbólicas escolhidas para facilitar a transmissão de determinados ensinamentos, mas que não representam, necessariamente, encarnações passadas vividas pelos espíritos.

Linhas de trabalho na Direita


Nas linhas de trabalho da direita, os arquétipos apresentados representam povos, etnias e grupos sociais marcados por seu modo de vida, seu código de ética, sua visão de mundo e por sua história social próprios, que os colocam apartados da sociedade ocidental, e que expressam um corpo ideológico e um conjunto de conhecimentos únicos e inerentes àqueles grupos.


Desta forma, quando falamos da linha dos caboclos, estamos falando dos povos ameríndios, de sua relação com a terra e com a natureza, sobre caça, pesca, coletas de alimentos nas matas, sobre agricultura natural. Estamos falando, ainda, de organização tribal, na qual a divisão de tarefas é clara e todos sabem o papel que devem desempenhar para o bem da comunidade. O mesmo acontece com todas as demais linhas. 


Se quisermos nos aprofundar na simbologia, nos ensinamentos e na proposta de trabalho de cada uma das linhas, precisaremos entender como os povos que embasam estes arquétipos vivem (ou viviam).

As linhas que tradicionalmente compõem a direita são: caboclos, boiadeiros, pretos-velhos, erês, baianos, marinheiros, ciganos e malandros.

Linhas de trabalho na Esquerda

Se entendemos que a esquerda trabalha nas trevas para trazer a luz, entendemos que as entidades que realizam este trabalho precisam usar de energias específicas de proteção para não se contaminarem com as energias ambientais. E que, assim como nas profissões humanas que lidam com situações extremas, necessitam de muito preparo e condicionamento mental. 

Quem realiza este trabalho são os Exús (também chamados de Guardiões, ou Compadres), as Pombogiras (Guardiãs, Moças ou Comadres) e os Mirins (Exú-Mirim e Pombogira-Mirim).

Ao contrários das linhas da direita que apresentam arquétipos fundamentados em grupos étnico-sociais específicos, que nos ensinam sobre a ética e visão de mundo próprios de seu povo, na esquerda o arquétipo base são os homens e mulheres da nossa própria sociedade, que, por qualquer motivo, não se enquadravam dentro da ordem social estabelecida.

Estes arquétipos destoantes e subversivos são bem mais abrangentes que os da direita, comportando espíritos de diversas etnias, origens, classes sociais, graus de escolaridade, religiões, profissões etc.

É através das linhas da esquerda que serão introduzidos na Umbanda conhecimentos místicos, esotéricos e mágicos de sistemas mais formalizados (escolas de mistérios).

Findada este breve introdução, na próxima parte serão iniciadas as descrições das linhas.

Até lá.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Abram caminho para o rei Xangô

Dia 24 de junho é um dos dias escolhidos para homenagear Xangô na Umbanda. A data se deve ao sincretismo com São João Batista. Essa associação se dá com a qualidade jovem de Xangô, o senhor do Fogo e do Trovão, cuja representação principal é a fogueira. 

Podemos entender o fogo como o caráter impetuoso, corajoso e devastador do jovem rei guerreiro, que quer ampliar e consolidar seu reinado e cuja fúria é letal para seus inimigos.

Na Umbanda estamos mais acostumados com a figura do Xangô mais velho, sincretizado com São Jerônimo, que representa os arquétipos do juiz e do rei justo e provedor, aquele que garante a subsistência do grupo.

Essas duas faces da mesma força nos ensina uma lição preciosa: é do ímpeto do jovem guerreiro que nasce a sabedoria do legislador. Isso lembra aquela história de um mestre zen que teria dito a seu discípulo que as boas escolhas são provenientes da experiência, e que esta é proveniente de más escolhas.



A chave que nos é dada por Xangô é a da transformação do ímpeto e da fúria juvenis em sabedoria equilibradora, fonte de justiça pra nós e para a comunidade ao nosso redor.

Que nosso Pai Xangô nos ajude a sermos cada vez mais justos em nossas ações, sentimentos, pensamentos e intenções. 

Kaô Kabecilê!

Pra finalizar, segue a excelente letra da canção Obá Iná, de Douglas Germano, para louvação de nosso Pai Xangô


Abram caminho para o rei
Sorriam em vez de se curvar
Ele é justiça, ele é a lei
Que fez pra nos levantar

Pra nos por em pé, nos erguer
E lançar pra Orum nosso olhar
Não há justiça se há sofrer
Não há justiça se há temor
E se a gente sempre se curvar

Kaó kabiecilè Xangô oba iná

Abram caminho para o rei
Que se anuncia em um trovão
Que bravo, escreve o que errei
Cuspindo fogo pro chão

Labareda pra eu me consertar
Fogo pra me aquecer de perdão
Não há justiça sem ceder
Não há justiça sem amor
E se a gente nunca se entregar


Kawó kabiecilè Xangô oba iná

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Reflexão sobre a Mente, a Realidade e a Liberdade (Parte I)

Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem. 
Rosa Luxemburgo


Ao longo da jornada da humanidade, desde que os seres humanos se percebem como seres conscientes, diversas foram as tentativas de explicação sobre a natureza humana, sobre o mundo ao seu redor e sobre o pós-vida. Mais tarde, estas questões deram luz à outras ondas de questionamentos, como sobre o funcionamento da mente humana, sobre o que é ou não real, se há forças externas que controlam a vida humana, entre muitas outras. 

Partindo de diferentes perspectivas, a religião, a magia, a filosofia e a ciência buscaram responder estas e outras questões, chegando a respostas aparentemente discrepantes que deram luz à modos de pensar divergentes, o que não contribui para alcançarmos o que poderia se caracterizar como a resposta definitiva. 

A religião tem por fundamento fazer a reconexão da humanidade com a grande força criadora do universo, que chamarei aqui de Deus, transmitindo seus ensinamentos às massas através de dogmas, ritos e crenças uniformes.

A magia pretende despertar no homem suas potências divinas, para que este seja capaz de modificar sua realidade por meio de sua vontade, o que exige conhecimento amplo nas diversas áreas de conhecimento disponíveis, capacidade de adaptar e estes conhecimentos para novas formas e um não-apego a paradigmas limitantes.

A filosofia se baseia no desenvolvimento humano através da capacidade crítica, analítica e racional, baseando-se nos estudos teóricos sobre a natureza humana e na relação dos homens com os elementos externos (desde outros homens até uma figura como Deus).

A ciência visa a construção de conhecimentos amplamente verificáveis, reproduzíveis, fazendo uso do método científico para validação de dados e elaboração de conhecimentos mais complexos.


Mesmo estes diferentes caminhos já expressaram entendimentos diferentes em épocas distintas. Essa adaptação é natural, pois a realidade é dinâmica, assim como a percepção humana sobre si mesma e sobre o mundo. A ciência adquire novos conhecimentos, a religião se adéqua aos novos membros, a magia se reinventa e a filosofia aprofunda cada vez mais suas questões fundamentais; essas mudanças são causa e efeito das mudanças sociais; as sociedades humanas adquirem novas formas de funcionamento.

Cada um desses caminhos, ou outros que possam existir, se volta para uma parte específica da análise da realidade (interna e externa do homem), sobre a qual consegue se aprofundar e estabelecer um caminho para que seus adeptos possam trilhar de forma segura.

Em todos os casos, me parece que há uma ideia inata, porém nem sempre explícita, de conferir aos homens ferramentas para que se tornem capazes de tomar decisões sobre sua vida. Me parece, ainda, que o objetivo final seja o de atingir a liberdade para conduzir sua própria vida. Esse será o ponto central que conduzirá esta reflexão.

Nossa liberdade é diretamente proporcional à nossa capacidade de tomar decisões conscientes sobre nossas ações. Para isso, é preciso que saibamos as leis e forças (físicas, jurídicas, culturais etc.) que nos regem e que implicam nas possíveis consequências de nossas ações. 

Desta forma, seja através de dogmas, paradigmas, teorias, crenças ou tabus, cada um dos caminhos de desenvolvimento humano nos ensina a tomar decisões e poder agir livremente, pelo menos dentro do padrão de liberdade enxergado como ideal.

Só podemos escolher entre as opções viáveis, no tempo e no espaço, daquilo que nos é dado à escolher. Também é verdade que só podemos verdadeiramente escolher quando compreendemos todas as variáveis envolvidas, incluindo nossa própria vontade.

Nossas escolhas, fator principal da liberdade, são dependentes da forma como entendemos o mundo e esta, por sua vez, é dependente das ideias, emoções, instintos e animações que povoam nossa mente.

Pensamentos não estão isentos de valores, eles carregam mensagens importantes sobre como percebemos o mundo, e se configuram como hipóteses, ou seja, uma das possíveis interpretações da realidade, não a verdade absoluta. 

Nossa mente não percebe a realidade em si, mas sim como os acontecimentos nos afetam. A percepção da realidade é filtrada, primeiro pelos receptores físicos, depois por nossa bagagem cognitiva de cunho intelectual e por último por nosso conjunto de memórias, traumas, crenças e valores. Estes filtros de realidade influenciam a forma como percebemos o ambiente ao nosso redor, os acontecimentos em nossa vida e, por fim, a nós mesmos.

Os filtros de realidade não são, inicialmente, construídos por nós. Eles são frutos de nossas experiências desde a mais tenra idade e, caso não haja intervenção, dominarão nossa mente e nossa realidade até o fim de nossas vidas.

Dessa forma, para alterar nossa visão de mundo, alterando nossa capacidade de realizar escolhas conscientes e, por fim, alcançar nossa liberdade, precisamos antes modificar nossos filtros de realidade. Este trabalho não acontece de uma hora para outra, precisando ser feito de modo contínuo, responsável e respeitando nosso próprio ritmo. 

Como só percebemos o que conhecemos, não somos capazes de perceber coisas muito distantes de nossa compreensão. Dessa forma, a expansão deve começar a partir de conteúdos mais próximos à nossa realidade, porém que já possam apresentar pontos de inflexão e ruptura de valores cristalizados. Depois estaremos aptos a absorver conteúdos cada vez mais distantes de nós.

Porém não podemos modificar o que não conhecemos. Os mecanismos de percepção da realidade são, em grande parte, inconscientes, sendo necessário um processo de aprofundamento em nossa própria mente para começarmos a identificá-los. Por isso é mais fácil, inicialmente, mapear nossas emoções e atitudes espontâneas do que o pensamento em si. A partir daí, podemos fazer o caminho inverso, até sermos capazes de chegar aos filtros mais profundos. 

A chave para entendermos nossos filtros mais aparentes está na observação da repetição de emoções e atitudes. Em que situações sou dominado pela raiva, ou pela tristeza, ou pela alegria? O que estas situações têm em comum. o que desperta estas emoções em mim?

Reconhecer os pensamentos e ideias que se repetem é pré-requisito para termos a capacidade de controlar e eliminar aqueles que não nos pertencem e que atrapalham nosso processo de conquistar a autonomia sobre nós mesmos.

Na próxima parte tentarei trazer alguns ensinamentos trazidos pela Tradição Hermética que podem nos ajudar a entender melhor esse processo.

Até lá