sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Reflexão sobre a Preguiça (Parte I)

Quando ouço a palavra preguiça, a primeira imagem mental que me vem (além do fofíssimo bicho-preguiça, claro) é a de estagnação, falta de movimento, um estado de espírito no qual não há ímpeto de ação. 


Buscando na memória, a preguiça evoca diversos momentos nos quais essa não-ação é enxergada como algo inerentemente natural, prazeroso e sadio (“uma tarde preguiçosa de chuva”, “uma rede preguiçosa pra deitar” etc). No entanto as considerações negativas sobre a preguiça são muito mais abundantes, sendo que diversas palavras que estão em seu campo semântico são utilizadas como xingamento, como vagabundo, vadio etc.

Partindo disso, me surgem duas perspectivas para seguir com a reflexão. Na primeira a preguiça se originaria da ausência de movimento, de forma passiva, quando não há estímulo suficiente. Na segunda a origem é a aversão (e não a simples ausência) de movimento, sendo que neste caso a preguiça adquire um caráter ativo, pois mesmo diante da possibilidade de ação, há uma força intrínseca que a anula.

Como ponto de partida, partirei do entendimento da preguiça como sinônimo de não-ação. Também irei considerar que essa tipificação da preguiça como ativa e passiva, baseada na aversão ou na simples ausência de ação, seja relevante.

A não-ação faz parte dos fenômenos naturais observáveis, sendo de vital importância para os processos naturais. São momentos interciclos, nos quais as condições para reinício estão sendo gestadas. Tomo a liberdade de citar as palavras de Mauro Iasi, em seu poema Aula de Voo, quando diz que “para o voo é preciso tanto o casulo como a asa”. Assim são os momentos que podemos ver no inverno, na lua nova, nas entre-safras etc. 

Considerando que a humanidade, assim como toda a criação divina, foi feita à imagem e semelhança de Deus, podemos partir da análise que os ciclos naturais refletem a natureza divina e, de forma análoga, também dos seres humanos. Se a natureza tem seus ciclos de ação e não-ação, desta forma, podemos entender que com a humanidade também acontece o mesmo. 


Porém, é importante levar em conta que estes momentos de não-ação são, via de regra, menores que os de ação e que o mesmo deve ser verdade para os seres humanos. Os momentos de descanso precisam ser menores do que os momentos de trabalho.

Além disso, é vital que lembremos que não-ação absoluta é impossível. Sempre estamos em algum tipo de movimento, mesmo que seja um movimento ativo e consciente de conservação de energia ou defesa contra possíveis ameaças.

Desta forma, me parece insuficiente a associação da preguiça com os momentos de não-ação, uma vez que, sendo um conceito típico da natureza psíquica humana, não pode ser ligado aos fenômenos naturais de forma tão automática. Em outras palavras, a não-ação é natural e saudável, mas a preguiça não o é necessariamente, visto que não são da mesma natureza.

O que define, então, a preguiça? Qual sua natureza última? E, principalmente, o que faz com que seja considerada por muitas tradições espiritualistas e religiosas como um defeito capital?

Retomarei aqui a divisão inicial entre a preguiça passiva e ativa, com base na ausência ou na aversão à ação. Se a ausência de ação é natural e faz parte integrante dos ciclos naturais, sendo, como já visto, de outra natureza em relação à preguiça, a associação entre essas duas coisas não me parece, de fato, válida. Assim, a ideia de preguiça está intrinsecamente ligada à sua forma ativa (na verdade sua única forma), na qual o fator definidor é a aversão ou recusa à ação e ao trabalho.

Acredito ter chegado num ponto importante da reflexão, porém essa ideia ainda não explica como a preguiça se origina, como age na psique humana e, o mais importante, como combatê-la.

Na continuação desta reflexão, tentarei desenvolver estas ideias. Até lá.